Alguma vez você já parou para se perguntar o que nos fixa no mundo? O que faz com que, apesar dos obstáculos, continuemos firme em nossas buscas, sejam elas, pessoais, profissionais ou espirituais? Seriam as crenças responsáveis por isso?
Com efeito, a equivalência entre crença e oxigênio – claramente estabelecida por Hume no paralelismo que propõe entre os atos de crer e de respirar, no Livro I do Treatise -, a meu juízo, faz da hipótese de uma vida sem crenças uma impossibilidade psicológica e um salto na direção da melancolia filosófica e do delírio. (LESSA, 2008, pág 39)
Lessa nos fala sobre as crenças ordinárias e naturais, nos colocando que as crenças ordinárias seriam crenças comuns geralmente baseadas nas crenças naturais (crença mãe), já as crenças naturais seriam aquelas universalmente aceitas. Segundo Lessa:
O conteúdo das crenças transforma-se com o tempo e com os usos, mas parece haver características fixas que constituem o que Hume designa como crenças naturais. Seguindo, ainda, Hume, uma crença natural é: *Uma crença ordinária, presente na vida comum * Incapaz de justificação racional * Uma crença cuja ausência tornaria impossíveis as atividades normais da vida comum * Universalmente aceita. (LESSA, pg.40, 2008)
Indo além, Lessa, referindo-se aos conteúdos das crenças, cita aquilo que designa como os três atos de crença que preencheriam os critérios de uma crença natural, anteriormente citados:
* Crer na existência contínua de um mundo exterior e independente de nossas percepções;
* Crer que as regularidades que ocorrem em nossa experiência constituem uma base confiável para compreender as que ainda ocorrerão;
* Crer na confiabilidade dos nossos sentidos. (LESSA, pg.40, 2008)
A crença se faz presente no cotidiano do ser humano e torna-se um recurso cognitivo para dizermos o que queremos. Se indagarmos a relação da crença com os hábitos diários que constituem a vida comum dos indivíduos, LESSA afirma que há uma conexão direta entre eles, pois:
O hábito, em sua essência é um hábito de agir e de crer. Ambos, hábito e crença, são constitutivos da commom life e de um padrão de regularidade e estabilidade que circunscreve o mundo. Mundo que não se faz regular por qualquer desígnio sobrenatural ou determinação naturalística, mas pela operação da história. Esta, por sua vez e tal como nos aparece na History of England, pode ser definida como o conjunto dos esforços humano para simular e criar formas de estabilidade, através das crenças e do hábito. (LESSA, pg.40, 2008)
Crer no resgate deste “naufrágio” que é a vida e buscar formas de estabilidade parece-me uma constante na trajetória humana. Estaria no poder da crença, a solução de boa parte dos problemas do mundo? Independente da resposta, e correndo o risco de parecer superficial, ironicamente encerro este ensaio com uma frase muito utilizada por determinados indivíduos que diz: “É isso aí, pode crê!”
Referências
LESSA, Renato – O que mantém um homem vivo? (II): Novos Devaneios sobre algumas transfigurações do humano (Páginas. 35 - 47) – In: Mutações – A Condição Humana - Curadoria: Adauto Novaes, 2008.
Engelmann, Mauro. Um Mundo de Sensações – Russel e a defesa do monismo neutro (Páginas 64 -73). In. Jogo de Linguagem e Psicologia Filosófica. Revista Mente & Cérebro, série especial Mente, Cérebro & Filosofia. Duetto - Edição nº 9. São Paulo – SP.
[i] HUME, David. A Teatrise of human nature (Ed. Selby-Bigge), Oxford: Clarendon Press, 1987.
Publicado na edição 07 da Revista Digital Informe C3.
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