quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Crenças

Crenças - “Pode crê!”
Francine Pressi
Foto: Anderson de Souza

Alguma vez você já parou para se perguntar o que nos fixa no mundo? O que faz com que, apesar dos obstáculos, continuemos firme em nossas buscas, sejam elas, pessoais, profissionais ou espirituais? Seriam as crenças responsáveis por isso?

Foi refletindo sobre a importância das crenças na vida humana, que me lembrei da conferência apresentada por Renato Lessa em um evento realizado em Porto Alegre na UFRGS, Mutações – A Condição Humana. O evento em si, faz parte do Programa Cultura e Pensamento, um programa realizado pelo MinC ao longo de sua gestão, desde 2005.


Retomando algumas anotações particulares, realizadas a partir da fala de Lessa durante tal congresso, e tendo como base seu texto O que mantém um homem vivo? (II): Novos Devaneios sobre algumas transfigurações do humano, foi possível levantar alguns pequenos questionamentos a cerca das chamadas crenças, foco central deste ensaio.


Partindo da fala de LESSA, é possível analisar os humanos como animais que alucinam, pois a alucinação existe sempre que se tenta trazer coisas do passado para o presente ou aproxima-se do futuro através de ideias e planejamentos. Este pensamento aqui se faz importante, pois se entende a crença como base das alucinações, e como forma de vinculação, como uma potência de fixação do homem no mundo.


O homem, enquanto animal causal que é, necessita dos “porquês” para que seu desejo de sentido não seja desfigurado, ele move-se pela força de sentido. E é a crença, ao contrário da ciência que se inscreve na dúvida, que nos traz a ideia de certeza, de convicção. Então seria ela capaz de salvar o ser humano deste “sofrimento” que é estar em dúvida? E fazendo uso de uma frase pronunciada por LESSA, que diz que os homens nascem como náufragos para serem resgatados, seria possível ver na crença uma forma de resgate?


Partindo desta ideia da crença como uma forma de fixação no mundo, seria possível imaginar uma vida sem crenças? Lessa traça seu ponto de vista em relação a isso com base em David Hume, no Livro I do Treatise[i]:

Com efeito, a equivalência entre crença e oxigênio – claramente estabelecida por Hume no paralelismo que propõe entre os atos de crer e de respirar, no Livro I do Treatise -, a meu juízo, faz da hipótese de uma vida sem crenças uma impossibilidade psicológica e um salto na direção da melancolia filosófica e do delírio. (LESSA, 2008, pág 39)

Lessa nos fala sobre as crenças ordinárias e naturais, nos colocando que as crenças ordinárias seriam crenças comuns geralmente baseadas nas crenças naturais (crença mãe), já as crenças naturais seriam aquelas universalmente aceitas. Segundo Lessa:

O conteúdo das crenças transforma-se com o tempo e com os usos, mas parece haver características fixas que constituem o que Hume designa como crenças naturais. Seguindo, ainda, Hume, uma crença natural é: *Uma crença ordinária, presente na vida comum * Incapaz de justificação racional * Uma crença cuja ausência tornaria impossíveis as atividades normais da vida comum * Universalmente aceita. (LESSA, pg.40, 2008)

Indo além, Lessa, referindo-se aos conteúdos das crenças, cita aquilo que designa como os três atos de crença que preencheriam os critérios de uma crença natural, anteriormente citados:

* Crer na existência contínua de um mundo exterior e independente de nossas percepções;
* Crer que as regularidades que ocorrem em nossa experiência constituem uma base confiável para compreender as que ainda ocorrerão;
* Crer na confiabilidade dos nossos sentidos. (LESSA, pg.40, 2008)

A crença se faz presente no cotidiano do ser humano e torna-se um recurso cognitivo para dizermos o que queremos. Se indagarmos a relação da crença com os hábitos diários que constituem a vida comum dos indivíduos, LESSA afirma que há uma conexão direta entre eles, pois:

O hábito, em sua essência é um hábito de agir e de crer. Ambos, hábito e crença, são constitutivos da commom life e de um padrão de regularidade e estabilidade que circunscreve o mundo. Mundo que não se faz regular por qualquer desígnio sobrenatural ou determinação naturalística, mas pela operação da história. Esta, por sua vez e tal como nos aparece na History of England, pode ser definida como o conjunto dos esforços humano para simular e criar formas de estabilidade, através das crenças e do hábito. (LESSA, pg.40, 2008)

Crer no resgate deste “naufrágio” que é a vida e buscar formas de estabilidade parece-me uma constante na trajetória humana. Estaria no poder da crença, a solução de boa parte dos problemas do mundo? Independente da resposta, e correndo o risco de parecer superficial, ironicamente encerro este ensaio com uma frase muito utilizada por determinados indivíduos que diz: “É isso aí, pode crê!”




Referências

LESSA, Renato – O que mantém um homem vivo? (II): Novos Devaneios sobre algumas transfigurações do humano (Páginas. 35 - 47) – In: Mutações – A Condição Humana - Curadoria: Adauto Novaes, 2008.

Engelmann, Mauro. Um Mundo de Sensações – Russel e a defesa do monismo neutro (Páginas 64 -73). In. Jogo de Linguagem e Psicologia Filosófica. Revista Mente & Cérebro, série especial Mente, Cérebro & Filosofia. Duetto - Edição nº 9. São Paulo – SP.


[i] HUME, David. A Teatrise of human nature (Ed. Selby-Bigge), Oxford: Clarendon Press, 1987.

Publicado na edição 07 da Revista Digital Informe C3.

WWW.processoc3.com

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