quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O corpo apresentado na peça “Senhora dos Afogados”
Wagner Ferraz


“Um pedaço de mim...”
Assim se iniciava a peça, com todos contando: “um pedaço de mim...”. Um pedaço, ou pedaços que são lembrados ou anunciados durante alguns momentos do espetáculo.

A saudade foi descrita como uma situação que tira algo de nós. A saudade pode tirar um pedaço do corpo simbolicamente, a saudade corta, fere, enclausura, prende, sufoca... O pedaço arrancado é indicado pela sensação de saudade, de vazio. O corpo com saudade é um corpo que falta algo, que sente um espaço que precisa ser preenchido, a saudade anuncia um corpo onde os limites são percebidos na delimitação desses espaços. Espaços esses que não podem ser medidos em extensão, centímetros, ou léguas, mas sim em sensações angustiantes ou “simplesmente” pela sensação de falta.

Um dos personagens carregava nomes, de prostitutas, tatuados no corpo. Nomes são palavras que definem sujeitos, que definem corpos, palavras que são apresentadas marcando esses corpos e que só podem ser materializadas pela intervenção de outro que “feri” com agulha e tinta o sujeito que carrega as tatuagens.

Foto: Divulgação Poa em Cena/Roberto Mourão


O pai descrito na peça foi acusado de matar uma prostituta que foi sua amante. O corpo apresentava na cena, a dor, a tristeza, o peso e o amargo de ter tirado a vida de outro, e passou sua vida toda com visões sobre este corpo morto. Até quando olhava para sua legitima esposa via no corpo dela o corpo da prostituta assassinada. E isso ficou claro no momento em que o pai diz que mesmo que rasgasse o vestido de sua esposa não veria seu corpo e sim o corpo da mulher que assassinou.

Essa tristeza também era apresentada por outras prostitutas que choravam no porto onde ocorreu o assassinato há 19 anos. O corpo morto está muito vivo na lembrança, nas recordações, na saudade e nas angustias.

A esposa teve suas mãos descritas como muitas vezes como lindas, como elemento que pode realizar o pecado, a traição, pois como foi dito por ela mesma, as mãos podem percorrer todo o corpo do outro, tocam, sentem... E no final da obra suas mãos foram cordatas, amputadas por seu marido, o que levou-a a morte.

Segundo o marido, ele não a matou, apenas matou suas mãos, levantando as ideias de que as mãos seriam praticamente algo a parte, como se pudessem ser dissociadas do restante do ser. E assim, segundo ele, a esposa morreu de saudade das próprias mãos.

E ao final pode-se ouvir todos cantando: “o que será que será? Que não tem limite?” Seria o corpo território sem limite? Ou seria o corpo território a definir todas as intervenções e manifestações que podem ser realizadas ou sentidas nele mesmo? Seria o corpo o próprio limite?


Ficha técnica


Autor:
Nelson Rodrigues
Direção: Zé Henrique de Paula
Assistência de direção: Fabrício Pietro
Elenco: João Bourbonnais, Einat Falbel, Marcella Piccin, Thiago Carreira, Marcelo Góes, Lourdes Gigliotti, Alexandre Meirelles, Elber Marques
Preparação de atores: Inês Aranha
Cenografia e figurinos: Zé Henrique de Paula
Iluminação: Fran Barros
Músicos: Fernanda Maia (piano) e Luciana Rosa (violoncelo)
Produção: Firma de Teatro/ coordenação de produção: Cláudia Miranda
Duração: 110 min
Faixa etária recomendada: 14 anos


Publicado na edição 07 da Revista Digital Informe C3.
WWW.processoc3.com

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